4 de fevereiro de 2011

Ouvidos melindrosos




Eu sou uma pessoa extremamente auditiva. Sons e barulhos geralmente provocam em mim efeitos consideráveis, tanto para o lado bom quanto para lado ruim.


Há barulhinhos que eu considero deliciosos de serem ouvidos:


o som do vento batendo nas folhas numa tarde de verão;


passarinhos cantando na janela ao amanhecer;


as ondas do mar quebrando na praia enquanto você está sobre as pedras e absorto em seus pensamentos;


aquele chorinho meio rouco de neném recém nascido;


o “tlec tlec” do teclado de computador sendo usado por alguém, numa tarde tranqüila de trabalho;


e o meu favorito: o tic tac do despertador na noite silenciosa do quarto. A-DO-RO! O tic tac me nina e me faz ter uma sensação gostosa da noite, representando descanso, conforto, relaxamento.


Não raramente eu sofro com essa vida barulhenta. Quando meus pais escolheram o quarto da casa que seria da filha mulher, infelizmente eu fui prejudicada. Minha janela fica de frente para a rua e isso implica em noites mal dormidas. Carros passando em alta velocidade, transeuntes conversando, o latido do cachorro do vizinho, a conversa da turma na esquina, tudo faz com que eu custe a pegar no sono, ou até mesmo com que eu acorde durante a madrugada. A própria TV da minha casa, ligada lá na sala, me incomoda quando eu vou dormir. Geralmente as pessoas gostam de dormir ouvindo rádio, mas eu detesto. Não consigo dormir com rádio ligado. Nem TV. Aos sábados, invariavelmente, sou despertada pelo som da loja de suprimentos alimentares – de frente à minha casa – que, confesso, nem é tão alto assim, mas é o suficiente para fazer cócegas nos meus tímpanos. Ou o meu sono é muito leve, ou os meus tímpanos são muito sensíveis. Aliás, deve ser isso: o meu sono é leve justamente porque meus tímpanos são sensíveis.


Na mão dos barulhos desagradáveis, sigo com os bares ou boates que colocam música alta demais. Detesto! Não gosto de não ouvir o que as pessoas estão falando comigo e ter que ficar gritando para conversar. Também não gosto de celular que toca descontroladamente, principalmente se o toque for de bateria de escola de samba. Odeio o engraçadinho da mesa ao lado que se acha no direito de contar histórias usando um tom de voz de personagem de teatro lotado. Se não são meus ouvidos que são, digamos, melindrosos, das duas uma: ou eu sou muito chata, ou eu estou velha! Meu irmão diria que eu estou velha. Prefiro a opção de ser chata! Rs...


Gente de ouvidos doloridos como os meus resolveram se organizar para mudar a situação. Há um tempo eu li em algum lugar que dois artistas novaiorquinos, cansados de não conseguirem um lugar para conversar em público por causa do barulho, bolaram uma solução muito original: a Quiet Party.


A festa é original porque, ao contrário de tudo o que a gente já viu (e ouviu), não rola som nenhum. Nenhum mesmo, já que as pessoas são proibidas de falar e usar celulares. A comunicação toda flui por meio de bilhetinhos escritos a lápis e papel, convencionais mesmo. SMS não vale! E, pasme, ninguém acha a festa chata! Os organizadores dizem que é divertidíssimo, pois você consegue reviver aqueles tempos em que ficava mandando bilhetinhos para os colegas nas aulas chatas. Risadinhas e olhares marotos estão liberados, então ninguém sai de lá chateado. No mínimo deve haver efeitos colaterais interessantes: aprender a ouvir a si mesmo, a observar mais as pessoas, e, veja só, reaprender a escrever à mão! Poetas enrustidos podem se revelar, e desenhistas talentosos, porém tímidos, fazer sucesso na balada.


Que maravilha que o mundo é eclético e as pessoas são tão criativas!!!

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(Christofer Mccandles)