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Pelo menos nove entre dez pessoas tem recordações nostálgicas de avó. Eu me incluo entre essas.
A casa da minha avó era como um mundo de fantasias. Lugar onde meus irmãos e eu podíamos tudo, ganhávamos muitos mimos, comíamos todos os doces e chocolates que não podíamos comer em casa, andávamos de pé no chão – algo que minha mãe não deixava fazer – víamos os programas preferidos na TV, éramos crianças felizes no mais literal sentido que isso possa ser.
A minha avó era branquinha, gordinha e vaidosa. Pintava o cabelo ora de louro, ora com aquela cor de fogo que na época eu achava bem esquisito. Não tinha palavra ou atitude de negação com os netos. Era doce e sempre inventava brincadeiras com a gente. Comprava cana de açúcar e nós passávamos a tarde inteira assentados na área, mastigando a planta para sentir aquele caldinho doce na boca, e morríamos de rir das pessoas que tinham gastura daquilo! Aí é que a gente mastigava ainda mais! Ela fazia canudinhos com bambu e ficávamos soltando bolhas de sabão enquanto a tarde caía silenciosa. Ela brincava com a gente de passar anel, e eu adorava sentir aquelas mãos gordinhas e macias passar por entre as minhas, e ficava boquiaberta em ver como ela conseguia soltar o anel sem que a gente percebesse em quais mãos! Íamos passear na pracinha do cemitério, e ela sempre contava mil histórias de assombração, e aí, quem disse que a gente dormia naquele quarto que não entrava uma frestinha de luz? Ela gostava do breu para dormir... e então ela falava que as histórias eram todas inventadas, para a gente se acalmar e pegar no sono. Ela sempre dava um dinheirinho pra gente comprar o que quisesse no cinema: nas temporadas de férias, o meu tio sempre levava a gente para assistir ao lançamento d’Os Trapalhões. A gente curtia demais! Era milk shake de chocolate antes e depois da sessão! E perdi as contas de quantas amarelinhas eu pulei na área da casa da vovó. Ela sempre arrumava giz para a gente riscar maré no chão de cimento da área, e ficava lá apreciando a gente brincar, com aquele sorriso tranqüilo no rosto. Era tão imprescindível a companhia dela!
Lembro-me de uma vez estar na casa da minha avó quando começou uma tempestade. O dia virou noite, a luz acabou, o vento uivava, fechamos todas as janelas e ficamos na sala esperando o tempo acalmar, debaixo de cobertores super, hiper, mega, maxi quentes que eu só encontrava na casa da vovó. Minha avó começou a cantar o refrão de uma música da Clara Nunes, uma vez atrás da outra, sem parar, e disse que era para ajudar o tempo a passar. A letra era assim: “Eu vi chover, eu vi relampear, mas mesmo assim o céu estava azul, Samborê, Pemba, Folha de Jurema, Oxóssi reina de norte a sul...” Nunca soube (não perguntei na época) o que significava todos esses nomes com sotaque de umbanda, mas ela cantou tanto que eu aprendi e nunca mais me esqueci... Impressionante... Há momentos que ficam para sempre na nossa memória! Momentos meio mágicos...
Passávamos metade das férias na casa da minha avó. Em um desses períodos tive catapora, e acho que foi a catapora mais bem cuidada que alguém podia ter! Mimos, cuidados, alimentação saudável, frutas, suquinho na cama... a única coisa ruim foi que mesmo estando na casa da vovó não consegui me livrar daquele remédio roxo bizarro que não me lembro o nome, que era bom para secar as feridas da catapora. Mas vovó me dizia que era para eu sarar logo, e eu aceitei de bom grado porque acreditava nela, claro!
As férias lá eram sempre aguardadas com ansiedade! Podíamos nem fazer nada demais, mas só de estar na companhia dela valia à pena! Ela contava muitos causos, contava em como tinha sido bom ser jovem nos anos 30, como ela tinha “fugidio” de casa para ficar com meu avô (que era negro), como tinha sido difícil a vida de casada, quando que ela mesma cortava lenha para o fogão, contava sobre como o meu pai e o meu avô saíam de casa, medrosos, quando ela ia matar galinha para fazer a comida. E tantos outros casos que nós ficávamos a saborear, ouvindo tudo com interesse, e achando engraçada a maneira como ela sempre terminava as frases, dizendo um “sá?”, querendo dizer “sabe?”. Ouvir os causos dela era tipo assim... uma viagem, sá? Eles eram histórias que faziam a gente sonhar acordado, viajar no imaginário, e sempre tirar alguma lição.
Quantas vezes nos últimos anos eu sonhei acordada lembrando-me da minha eterna infância na casa da minha avó! Mas o bom é saber que o convívio com ela foi intenso, longo e saudável! Mais risos que tristezas. Muito mais risos, diga-se de passagem. Avó é mãe ao quadrado, e com o triplo de tempo para despender. Nas minhas andanças pela internet encontrei um texto de uma menina de oito anos, cujo nome não foi citado no artigo que li, sobre o significado de avó. Achei sublime! Avô e avó têm muita importância na educação das crianças, é tarefa de um caráter puro. Eis o texto:
Definição de Avó
“Uma Avó é uma mulher que não tem filhos, por isso gosta dos filhos dos outros. As Avós não têm nada para fazer, é só estarem ali. Quando nos levam a passear, andam devagar e não pisam as flores bonitas nem as lagartas. Nunca dizem 'Despacha-te!'. Normalmente são gordas, mas mesmo assim conseguem apertar-nos os sapatos.
Sabem sempre que a gente quer mais uma fatia de bolo ou uma fatia maior. As Avós usam óculos e às vezes até conseguem tirar os dentes. Quando nos contam histórias, nunca saltam pedaços e nunca se importam de contar a mesma história várias vezes.
As Avós são as únicas pessoas grandes que têm sempre tempo. Não são tão fracas como dizem, apesar de morrerem mais vezes do que nós. Todos nós devemos fazer o possível por ter uma Avó, sobretudo se não tiver Televisão”.
A casa da minha avó era como um mundo de fantasias. Lugar onde meus irmãos e eu podíamos tudo, ganhávamos muitos mimos, comíamos todos os doces e chocolates que não podíamos comer em casa, andávamos de pé no chão – algo que minha mãe não deixava fazer – víamos os programas preferidos na TV, éramos crianças felizes no mais literal sentido que isso possa ser.
A minha avó era branquinha, gordinha e vaidosa. Pintava o cabelo ora de louro, ora com aquela cor de fogo que na época eu achava bem esquisito. Não tinha palavra ou atitude de negação com os netos. Era doce e sempre inventava brincadeiras com a gente. Comprava cana de açúcar e nós passávamos a tarde inteira assentados na área, mastigando a planta para sentir aquele caldinho doce na boca, e morríamos de rir das pessoas que tinham gastura daquilo! Aí é que a gente mastigava ainda mais! Ela fazia canudinhos com bambu e ficávamos soltando bolhas de sabão enquanto a tarde caía silenciosa. Ela brincava com a gente de passar anel, e eu adorava sentir aquelas mãos gordinhas e macias passar por entre as minhas, e ficava boquiaberta em ver como ela conseguia soltar o anel sem que a gente percebesse em quais mãos! Íamos passear na pracinha do cemitério, e ela sempre contava mil histórias de assombração, e aí, quem disse que a gente dormia naquele quarto que não entrava uma frestinha de luz? Ela gostava do breu para dormir... e então ela falava que as histórias eram todas inventadas, para a gente se acalmar e pegar no sono. Ela sempre dava um dinheirinho pra gente comprar o que quisesse no cinema: nas temporadas de férias, o meu tio sempre levava a gente para assistir ao lançamento d’Os Trapalhões. A gente curtia demais! Era milk shake de chocolate antes e depois da sessão! E perdi as contas de quantas amarelinhas eu pulei na área da casa da vovó. Ela sempre arrumava giz para a gente riscar maré no chão de cimento da área, e ficava lá apreciando a gente brincar, com aquele sorriso tranqüilo no rosto. Era tão imprescindível a companhia dela!
Lembro-me de uma vez estar na casa da minha avó quando começou uma tempestade. O dia virou noite, a luz acabou, o vento uivava, fechamos todas as janelas e ficamos na sala esperando o tempo acalmar, debaixo de cobertores super, hiper, mega, maxi quentes que eu só encontrava na casa da vovó. Minha avó começou a cantar o refrão de uma música da Clara Nunes, uma vez atrás da outra, sem parar, e disse que era para ajudar o tempo a passar. A letra era assim: “Eu vi chover, eu vi relampear, mas mesmo assim o céu estava azul, Samborê, Pemba, Folha de Jurema, Oxóssi reina de norte a sul...” Nunca soube (não perguntei na época) o que significava todos esses nomes com sotaque de umbanda, mas ela cantou tanto que eu aprendi e nunca mais me esqueci... Impressionante... Há momentos que ficam para sempre na nossa memória! Momentos meio mágicos...
Passávamos metade das férias na casa da minha avó. Em um desses períodos tive catapora, e acho que foi a catapora mais bem cuidada que alguém podia ter! Mimos, cuidados, alimentação saudável, frutas, suquinho na cama... a única coisa ruim foi que mesmo estando na casa da vovó não consegui me livrar daquele remédio roxo bizarro que não me lembro o nome, que era bom para secar as feridas da catapora. Mas vovó me dizia que era para eu sarar logo, e eu aceitei de bom grado porque acreditava nela, claro!
As férias lá eram sempre aguardadas com ansiedade! Podíamos nem fazer nada demais, mas só de estar na companhia dela valia à pena! Ela contava muitos causos, contava em como tinha sido bom ser jovem nos anos 30, como ela tinha “fugidio” de casa para ficar com meu avô (que era negro), como tinha sido difícil a vida de casada, quando que ela mesma cortava lenha para o fogão, contava sobre como o meu pai e o meu avô saíam de casa, medrosos, quando ela ia matar galinha para fazer a comida. E tantos outros casos que nós ficávamos a saborear, ouvindo tudo com interesse, e achando engraçada a maneira como ela sempre terminava as frases, dizendo um “sá?”, querendo dizer “sabe?”. Ouvir os causos dela era tipo assim... uma viagem, sá? Eles eram histórias que faziam a gente sonhar acordado, viajar no imaginário, e sempre tirar alguma lição.
Quantas vezes nos últimos anos eu sonhei acordada lembrando-me da minha eterna infância na casa da minha avó! Mas o bom é saber que o convívio com ela foi intenso, longo e saudável! Mais risos que tristezas. Muito mais risos, diga-se de passagem. Avó é mãe ao quadrado, e com o triplo de tempo para despender. Nas minhas andanças pela internet encontrei um texto de uma menina de oito anos, cujo nome não foi citado no artigo que li, sobre o significado de avó. Achei sublime! Avô e avó têm muita importância na educação das crianças, é tarefa de um caráter puro. Eis o texto:
Definição de Avó
“Uma Avó é uma mulher que não tem filhos, por isso gosta dos filhos dos outros. As Avós não têm nada para fazer, é só estarem ali. Quando nos levam a passear, andam devagar e não pisam as flores bonitas nem as lagartas. Nunca dizem 'Despacha-te!'. Normalmente são gordas, mas mesmo assim conseguem apertar-nos os sapatos.
Sabem sempre que a gente quer mais uma fatia de bolo ou uma fatia maior. As Avós usam óculos e às vezes até conseguem tirar os dentes. Quando nos contam histórias, nunca saltam pedaços e nunca se importam de contar a mesma história várias vezes.
As Avós são as únicas pessoas grandes que têm sempre tempo. Não são tão fracas como dizem, apesar de morrerem mais vezes do que nós. Todos nós devemos fazer o possível por ter uma Avó, sobretudo se não tiver Televisão”.
Não preciso dizer mais nada! Somente que no próximo dia 25 estará fazendo três anos que minha avozinha querida foi morar no céu...
Sempre te amei muito, vó! Saudade imensa!!!
11 comentários:
Ju,
Lindo texto!
Como sempre, sábia nas palavras.
Vou te falar que tem coisas ali, que você escreveu, que nem me lembrava mais... Foi bom recordar!
Beijos, Gi.
Oi Ju
nossa muito lindo o texto...
Me amocionei lendo esse texto, me fez lembrar tb dos tempos na casa da minha avó.
Bjos Rapha
Oi Ju,
Que bacana este texto.
Como disse a Gi, foi bom mesmo recordar algumas passagens, sá???
Parabéns pela bela iniciativa.
A Vovó merece!!!
Bjão,
Jhonny.
Que texto mais lindo jujuba! Sinto muitas saudades da minha vozinha tb! Tive uma infância maravilhosa ao lado dela!
Beijos
Literariamente é um texto bem escrito. Exceto alguns equívocos de concordância, mas isso pouco importa. Fernando Pessoa não afirmou que livros são "um monte de letrinhas em fila"..? O que vale mesmo é que , ao ler, me surpreendi sonhando acordado
com aquela velhinha "danada". Recordei-me de muitos outros "episódios" que estavam
encerrados no fundo d'alma, não sei se para me poupar de saudades e do consequente
sofrimento. Creio q ninguém conheceu aquela mulher mais do que eu. O quanto sofria, principalmente porque não sabia a razão...
Devo-lhe essa, parabéns, gostei muito.
Nossa... texto lindo! Me emocionei... Afinal, minha vovó está morando longe de mim atualmente e sinto muitas saudades dela, ela criou a mim e a minha irmã! Fiquei pensando quando ela se for... Beijos!
Ju, falar de vó é golpe baixo, mas falar isso tudo é duro demais!
rs
Que bom que sua avó foi isso td.
Lindo texto, lindos sentimentos.
bjs enormes
Jú, só hoje li este belo texto. Muito bom lembrar-se de pessoas queridas, principalmente das avós.
Podes crer que vc tb me fez lembrar de minha avó, mãe dela, que, guardadas as diferenças impostas pela época, agia com os netos (que eram muitos), praticamente do mesmo jeito. Todos sempre tinham razão e podiam tudo, desde que estivessem a seu lado.Além de fazer papá gostoso o dia inteiro.Foi muito bom vc, involuntariamente, me fazer retornar à época da infãncia. Agredeço-lhe tb por isso.
Papai.
Olá Ju,
fiquei emocionada ao ler seu rexto.
Senti saudades dela e me lembrei do convívio alegre e festivo dela, mesmo antes de você nascer.
Você me levou às lágrimas...
Lembrei da minha infância em Montes Claros:
vovô me levava para lavar as mãos antes e depois de "chupar os dedos", ele também lavava minha bola antes de guardá-la e eu dornia em seu colo todos os dias após o almoço quando ele sentava na poltrona de vime para ler o jornal. .
Sua mãe e sua madrinha ficavam enciumadas...
Vovó era mais caladinha, me adulava fazendo "molho de caldo de feijão com cebolinha verde" todos os dias para eu almoçar. Eu gostava de lavar arroz com ela...
Titia Fancy era só carinho e lembro que ela gostava de pentear meus longos cabelos.
Sinto saudades de dindinha, tio Didi e claro dos meus pais, mas os acima citados é
que fizeram minha história de criança!
Depois vou ler e comentar seus outros textos pois agora a "sessão nostalgia" não está
nem deixando eu enxergar direito.
Beijos,
Tia Carminha
Ju,
Hoje, talvez pela data, me emocionei mais que da outra vez que lí este seu post. Assim como aconteceu com a Tchaca, fui às lágrimas. É bom lembrar de tudo que vivemos ao lado dessa pessoa tão especial. Dessa não: dessas, né? Porque a Vovó Laura também foi muito especial para nós.
Obrigado por nos fazer voltar no tempo, com lembranças tão gostosas e inesquecíveis.
Não sei se hoje em dia, existem avós tão legais como as pessoas do nosso tempo tiveram. As avós hoje trabalham fora, fazem caminhada, cultuam o próprio corpo, não fazem comidas gostosas, hehe. Azar destes netos de hoje, hehe.
Beijão!!!
Nossa que texto lindo ,chorei de emoção ao ler e de saudade da minha vozinha tbm, saudades que chegam a doer, muito lindo seu texto. Bjs
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